Que compromisso, Dilma?

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Por Fernando Filgueiras
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Artigo publicado originalmente no Estadão Noite A trajetória do Brasil democrático até então guardava uma marca distintiva. Capitaneado pela Constituição de 1988, o Estado brasileiro promoveu um processo gradual e incremental de desenvolvimento das instituições de controle. A pulsação recente destas instituições e desse processo de desenvolvimento se faz sentir pelo modo como diversos escândalos de corrupção vieram a público, criando a sensação, por vezes repetidas, de que criamos um contexto, na democracia, de que estaríamos limpando a história do País e iniciando um novo patamar de relações entre o público e o privado. De repente, a sensação é de que este esforço do Estado brasileiro, tendo uma Constituição Cidadã como guia, está terminando e encontra-se em um momento de inflexão. Por uma estratégia equivocada do juiz Sérgio Moro, que na condução das delações premiadas sempre pedia aos delatores para não falarem o nome de políticos, no afã de manter toda a investigação da Lava Jato sob sua tutela. O risco do fatiamento das ações cheira a uma pizza nunca antes vista na história do País. Associe-se a isso a possibilidade de, a partir do parecer emitido pelo Tribunal de Contas da União a respeito das pedaladas fiscais, o Congresso Nacional não rejeitar as contas do governo, iniciando uma conjuntura em que o desenvolvimento institucional terá uma inflexão e refluxo ao longo do caminho. Uma das frases mais ditas pela então candidata Dilma Roussef era de que ela não tergiversava com a corrupção. O mote da então candidata era que o seu governo promoveu desenvolvimentos importantes na questão do enfrentamento da corrupção e que as instituições teriam plena autonomia para investigar. Usou este mote para conquistar votos e foi eleita. Eis que, em meio à crise política decorrente de enorme irresponsabilidade fiscal do seu governo, um escândalo de corrupção que compromete os diversos partidos e políticos profissionais, bem como grandes empresas, uma das soluções, para além de um ajuste fiscal desastrado, é fatiar a Controladoria-Geral da União, passando parte para o Ministério da Justiça e parte para a Casa Civil.  Esta decisão é equivocada, como é o seu governo, por diferentes razões. Colocar a CGU como penduricalho de dois ministérios, no afã de promover o ajuste fiscal, compromete o enfrentamento da corrupção, politiza as ações de controle sobre a gestão pública, prejudica os avanços em transparência do Estado e joga na lata do lixo um de seus motes de campanha eleitoral. Muitos falam em estelionato eleitoral. Eis mais um motivo. Esta decisão é equivocada por razões políticas e técnicas. Políticas porque abre o flanco do estelionato, amplia ainda mais a desconfiança para com seu governo e não percebe o modo como as ações de controle feitas pela CGU são fundamentais para devolução de recursos para o erário público e impedir o gasto desmesurado e irresponsável. Além disso, é uma decisão tecnicamente equivocada. A CGU foi empoderada com a possibilidade dos acordos de leniência e a constituição de mecanismos de compliance junto ao empresariado. Simplesmente, o governo está jogando no lixo todo um esforço de desenvolvimento institucional e ajudando a promover um retrocesso que causará enormes prejuízos à sociedade.  Em política, compromissos são sempre rarefeitos e sujeitos ao sabor do momento. Mas disso não decorre rasgá-los todos, ajudar a promover enorme pizza e promover um refluxo do desenvolvimento institucional essencial à democracia. O fato de não ouvir ninguém, à exceção de seu ministro da Casa Civil, que se arroga o papel de professor de Deus, faz com que a marcha a ré se inicie, sem previsão de fim. Aquilo que era uma sensação de desenvolvimento virou, por conta da crise política, uma possibilidade real de passarmos da corrupção na democracia para a corrupção da democracia.* Fernando Filgueiras é professor do Departamento de Ciência Política da UFMG

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